domingo, 4 de outubro de 2009

O livro dos mortos

Por Bruno Tinoco

“Que historiador poderia ter ousado esperar por um mundo no qual cada indivíduo de cada espécie traz, em seu corpo, um texto longo e detalhado?” Richard Dawkins

Em A múmia, filme estralado por Brendan Fraser, um imprudente arqueólogo lê uma passagem do livro dos mortos e faz ressurgir uma criatura capaz de destruir a humanidade espalhando miséria e horror. O livro existe e foi escrito como uma coletânea de feitiços, fórmulas mágicas, orações, hinos e litanias do Antigo Egito, em 1580 a.C. Poucos são os estudiosos capazes de interpretá-lo corretamente e, segundo a lenda, quem o sabe, tem o poder de invocar os mortos para que estes consolidem seus desejos. Bem mais recentemente, em 2003, após mais de uma década de esforços de cientistas de todo o mundo, o projeto de sequenciamento do genoma humano foi concluído. De lá para cá muito tem sido feito na tentativa de compreender o significado da longa sequência de quatro “letras” que compõem o DNA, molécula presente em todos os seres vivos1, capaz de determinar características morfológicas, fisiológicas e comportamentais. Além do genoma humano, muitos outros organismos têm tido seus genomas sequenciados, possibilitando uma profunda alteração nos antigos conceitos de sistemática2 com base na morfologia. Com isso, aos poucos uma nova coletânea de informações vem sendo revelada.

Diferentemente da lenda egípcia, ainda não existe um ser humano capaz de interpretar corretamente a linguagem do DNA. É como um novo idioma cujas preposições, advérbios e pronomes já nos são conhecidos, mas, as entrelinhas, ou as interpretações de duplo sentido, por exemplo, nós não sabemos julgar e deixamos passar o conteúdo da mensagem. Os grandes softwares de bioinformática ainda não são capazes de detectar sutis informações na sequência de DNA porque nós, por ignorância, ainda não estabelecemos critérios para que eles o detectem. Que segredos esta molécula pode nos informar quando soubermos compreender a mensagem por detrás da sequência de quatro letras? Devemos temer suas revelações? Claro que não. Devemos estar abertos ao que o DNA tem para nos contar, por mais que sua história fira o nosso “orgulho de Homo sapiens”. Para entender por que uma molécula é capaz de armazenar tanta informação histórica precisamos conhecer algumas particularidades dessa molécula.

A molécula de DNA é transmitida com singular fidelidade de geração em geração. Apesar da espantosa precisão de um erro em cada 10.000.000 de “letras” copiadas durante a replicação, o DNA sofre pequenas mudanças com o passar dos anos – lembrando que o genoma humano, por exemplo, contém cerca de 3 bilhões de nucleotídeos. A frequência com que essas alterações ocorrem hoje pode ser calculada e, atualmente, esse fenômeno é conhecido como relógio molecular. A Biologia Evolutiva nos mostra que cada organismo – entre eles, o homem – possui um ancestral comum com todos os demais organismos viventes e extintos. Com o advento da Biologia Molecular, hoje sabemos que, na maioria dos casos, o genoma será tanto mais semelhante entre duas espécies quanto mais aparentadas forem elas. Por esse motivo, temos visto um crescente número de trabalhos publicados em periódicos científicos repletos de demonstrações moleculares a fim de sugerir o monofiletismo3 entre grupos, que pode ir de espécies a filos. A consequência desta fusão de conhecimentos é uma profunda alteração das informações trazidas pelos clássicos cladogramas4 que se baseiam unicamente no estudo da morfologia.

Imaginemos que cada espécie que passou por este planeta escreveu a sua história pessoal. Desta forma, podemos dizer que o DNA é um misterioso livro, ou melhor, uma grande biblioteca que acumulou diversos livros que contam a história de cada relação entre os seres vivos, cujo maior leitor é o geneticista. Desvendar o passado através da correta interpretação do DNA pode significar entender nossa própria origem; de onde viemos, como viemos e porque viemos. Ao contrário do filme de Hollywood, saber ler a sequência de DNA não trará miséria e horror, mas, sobretudo, nos fará enxergar o mundo sobre o posto que de fato nos pertence, e não sobre o qual nós, convenientemente, temos enxergado.


1. Existe uma classe de vírus que tem como material genético o RNA, e não o DNA, mas muito se discute onde os vírus deveriam ser incluídos dentro de uma classificação biológica.

2. A sistemática é a ciência dedicada a inventariar e descrever a biodiversidade e compreender as relações filogenéticas entre os organismos. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Sistem%C3%A1tica)

3. Em um sentido amplo, grupo monofilético refere-se a um conjunto de espécies que compartilham um ancestral comum. Também é usado para denominar um grupo que contém todos os descendentes de um ancestral comum. (http://www.qualibio.ufba.br/glo003.html)

4. Cladograma é uma representação gráfica que procura traduzir as relações de parentesco entre diferentes espécies ou grupos de espécies.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Bolas Foras

"Esse país está mudando, e Rondônia mudando mais rápido que nosso país".


Dilma Rousseff, Ministra da Casa Civil e pré-candidata a Presidencia da República pelo PT, em Boa Vista, capital de RORAIMA.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Os injustiçados

Por Gustavo Miranda. Todos nós sabemos quão incômoda é a picada de mosquitos (ou pernilongos, é tudo a mesma coisa). Incrivelmente, eles saem todos na mesma hora, que geralmente é o final da tarde, e nos atacam imperdoavelmente, não nos dando nenhuma chance de reação (até o aparecimento das raquetes elétricas). O comportamento desses dípteros surgiu muito antes de nós humanos aparecermos na história e há pouca coisa que possamos fazer para evitar esses ataques.

Os mosquitos que saem para picar são fêmeas que podem pertencer às famílias Culicidae (que inclui os gêneros Culex e Aedes) ou Psychodidae (que são dípteros do gênero Lutzomyia). Elas vão em busca de sangue não tendo muita preferência pela fonte, sendo um requisito essencial ser mamífero. Como atualmente nós somos um dos mamíferos mais abundantes na Terra e os indivíduos que invadiram o habitat delas, sobra para nós.

O ataque desses pequeninos, que ocorre de todos ao mesmo tempo e sempre no mesmo horário, é devido a seu ciclo circadiano. Esse ciclo é controlado por fatores endógenos, ou seja, genéticos, e por fatores exógenos, como a temperatura, a umidade e, principalmente, o sol. Os raios solares (sua presença ou ausência) são capazes de desencadear processos fisiológicos e comportamentais em animais e plantas como uma espécie de hormônio. Eis então que durante o processo evolutivo, os dípteros hematófagos desenvolveram o comportamento de saírem atrás de fontes de sangue durante o crepúsculo.

Florestas e pequenas matas, rios e lagos, são locais de refúgio e reprodução, respectivamente, para esses mosquitos. Como fomos invadindo esses lugares incriteriosamente, o local de refúgio passa a ser nossas casas, e a fonte de sangue passa a ser nós mesmo, como já exposto. No Rio de Janeiro nessa época do ano (final de inverno) quem predomina não são os Aedes, mas sim os Culex, mais especificamente as espécies Culex pipiens fatigans e Culex quinquefasciatus. Esses mosquitinhos possuem todas as características de um díptero hematófago supracitado, mas possui uma peculiaridade que o faz não ser tão querido: se reproduzem em lagoas com águas ricas em matéria orgânica, ou seja, rica em lixo e esgoto o que é comum nas lagoas do Rio de Janeiro.

Apesar de causar certo temor, o Culex quinquefasciatus, que é o responsável pela transmissão da filariose ou elefantíase, não é motivo de pânico no estado fluminense. Dados deste ano (2009) da Secretaria de Vigilância em Saúde/Ministério da Saúde, mostram que a parasitose no Brasil tem distribuição urbana e focal, sendo detectada a infecção ativa do parasita, o verme nematóide Wuchereria bancrofti, somente em Recife e cidades de sua região metropolitana, Olinda, Jaboatão dos Guararapes e Paulista.

Sai então num jornal de grande circulação que moradores do Recreio dos Bandeirantes pedem a abolição, a extinção, o extermínio, o fim permanente desses pequeninos animais na região. Está sendo feito, inclusive, um abaixo-assinado que será mandado para a prefeitura para ser tomadas as devidas providências. Essa é uma atitude realmente louvável, os cidadãos se organizando em prol de um bem para todos. Mas, por que, ao invés disso, eles não juntam assinaturas para pedir a limpeza da lagoa que está próxima a eles? Por que não se reúnem e juntam dinheiro para comprar mosquiteiros para as janelas de suas casas? Por que não pedem o fim do lançamento de esgoto na tal lagoa? Se os moradores da Amazônia se organizassem para pedir a matança de mosquitos (que lá tem de sobra), o Governo passaria o resto da história de nosso país tentando acabar com os bichinhos.

Parece que não há interesse em mexer com a emissão de lixo e esgoto no local, afinal de contas, é o lixo deles mesmo, se não for para lá, vai para onde? Apesar de ser insatisfatório para a maioria na região, a medida mais eficiente é diminuir o lançamento desses poluentes na tal lagoa (e em todas as outras do Estado) e se prevenir da melhor maneira possível com mosquiteiros, telas para janela e, é claro, com as infalíveis raquetes elétricas.


Referências:

Guia de Vigilância Epidemiológica e Eliminação da Filariose Linfática. Ministério da Saúde, 2009

http://www.delrioservicos.com.br/img/mosquito_dptera.pdf

http://oglobo.globo.com/rio/mat/2009/09/06/infestacao-de-pernilongos-atormenta-recreio-767506242.asp


Colaboração: Rafael Silva de Miranda, Laboratório de Acústica e Vibração/UFRJ

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

A “nova gripe”

Por Gustavo Miranda.

Manchete em quase todos os jornais e revistas, programas de rádio e televisão, a gripe suína não poderia ficar de fora do nosso blog. Ela é chamada de gripe H1N1, gripe 1 ou “a nova gripe”. Todos os surtos de gripe que passaram pela humanidade, também foram chamados de “nova gripe” na época em que surgiram e hoje não passam de gripes comuns. O porquê de tanto alarde e desespero criado pela mídia talvez tenha suas explicações. Faz menos de um ano do primeiro registro de morte causado pela gripe suína (março desse ano) e já se desenvolveu remédio e até vacina contra ela.

Drogas que se prezam e realizam algum efeito passam por anos de pesquisa, depois mais alguns anos de teste em cobaias. Ao ser aprovado e comercializado, países como o Brasil, ao importar os medicamentos realizam mais testes antes de liberar para a população. Todo esse processo leva cerca de 15, 20 anos. No caso da nova gripe, em menos de um ano desenvolveu-se o remédio chamado Tamiflu, mais rápido ainda desenvolveu-se a vacina contra a doença ambas produzidas nos laboratórios da empresa Roche. Das duas uma: ou os remédios não fazem o efeito esperado, ou a empresa que desenvolveu o remédio também criou o vírus. Não é de se espantar que pessoas que tomaram o Tamiflu na tentativa de prevenir a contaminação pelo vírus apresentaram fortes efeitos colaterais como insônia, pesadelos, diarréia e vômito.

É causa de indignação o porquê de nunca ter se desenvolvido com tamanha rapidez uma vacina contra malária, por exemplo, que mata há muitos anos mais de um milhão de pessoas em todo o mundo. Não vai ser de espantar que mais cedo ou mais tarde se confirme a especulação de que a indústria farmacêutica nada mais é que uma grande máfia super-organizada, cheia de dinheiro e o pior, com apoio de governos e grandes organizações internacionais como a OMS (Organização Mundial de Saúde) que deveria lutar pelo bem estar e saúde da humanidade. Se isso realmente for verdade, essa gripe não passa de mais uma arma de toda essa gentalha para enriquecer cada vez mais seus donos e aqueles que os apóiam.

Por isso, antes de se render aos remédios contra qualquer tipo de gripe, realize as medidas preventivas básicas como lavar as mãos várias vezes ao dia, não compartilhar alimentos, copos, toalhas entre outros objetos pessoais e sempre cobrir a boca quando for tossir e o nariz quando for espirrar com a dobra do cotovelo evitando usar as mãos para não contaminar outras pessoas pelo toque. Caso contaminado por essa gripe ou qualquer outra e estando fora do grupo de risco que são mulheres grávidas e pessoas debilitadas, o remédio é repousar, se alimentar bem e beber bastante líquido.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Um discreto mistério

Por Bruno e Gustavo.

Após uma pequena fase de crise criativa e também devido à falta de tempo (mais por falta de saco mesmo) voltamos a escrever no blog.

Todos nós sabemos que existe na face da Terra uma grande diversidade de seres vivos dos mais variados tipos: plantas, animais, vírus, bactérias e de repente alguma forma de vida que ainda não conhecemos. Dentre toda essa forma de vida a mais conspícua e numerosa é a dos artrópodes. Porém, os artrópodes não se limitam somente àqueles que conhecemos como os miriápodes [sínfilos, paurópodos, diplopodas (gongolos) e quilópodos (lacraias)], crustáceos, aracnídeos, insetos e outros mais. Eles integram o grupo dos artrópodes propriamente dito, mas este grupo está contido em um outro maior, chamado Panarthropoda. Além dos bichos habituais, este grupo também inclui em sua lista os Onycoforos e Tardigrados.

Certamente poucos já ouviram falar nesses animais a não ser aqueles que fazem biologia e resistem acordados às aulas de zoologia. Hoje trataremos sobre os incríveis tardígrados e quem sabe em um próximo post, falamos um pouco dos onicóforos.

Sim, eles são incríveis e vocês entenderão o porquê. Para quem não conhece, o tartígrado, também chamado de urso d’água, é um bicho microscópico que mede entre 0,05 e 1,2 mm de tamanho e possui grande variedade de cores nas suas mais de 1000 espécies descritas atualmente, como as cores branca, laranja, vermelha, amarela, verde, preta entre outras. A descoberta de sua improvável resistência ocorreu há alguns anos atrás.

Em uma expedição encontrou-se uma tumba com uma múmia em seu interior. Descuidadosamente, os pesquisadores deixaram a tumba destampada numa noite em que caiu uma torrencial chuva. No precário lugar havia uma goteira localizada logo à cima da inafortunada múmia. Resultado, seu sarcófago ficou inundado. Posteriormente, analisando o que sobrou da pobre múmia, observou-se que um pequeno animal mexia-se sobre uns pequenos musgos que se formaram dentro da tumba. Estudando-se o material descobriu-se que o bicho era um tardígrado. Mesmo depois de mais de 3.000 anos embalsamado junto com o faraó, o bicho, após entrar em contato com a água “reviveu”.

Apesar de gerar grande espanto isso é facilmente explicado pela Biologia. Os tardígrados são capazes de realizar dois tipos de dormência: a quiescência e a diapausa - que é a capacidade de reduzir seu metabolismo a quase zero quando submetidos a condições desfavoráveis voltando à vida quando em contato com água.

Após essa incrível descoberta, os pesquisadores ficaram entusiasmados com a resistência desses pequenos animais e os submeteram a alguns testes, entre eles:

- total vácuo (nada aconteceu)

- temperaturas próximas à 150ºC (um calorzinho à toa)

- baixas temperaturas como -273ºC (um friozinho nas pernas)

- gravidade zero (não sentiu nada)

- raios x (um brozeamento artificial)

- espaço sideral, sem gravidade, sem oxigênio e exposto a baixíssimas temperatura (nem é com ele)

Devido a essa incrível resistência não é surpreendente encontrar tardígrados no fundo do oceano (em locais tão profundos quanto 4km a baixo da superfície) e nas mais altas montanhas (com cerca de 6km de altura) sendo o único requisito necessário a presença de água.

Após essa pequena introdução ao mundo dos tardígrados, viemos propor a enquete ao lado questionando a possível origem desse pequeno mas resistente, estranho mas simpático, bonito porém feio animal.

sábado, 20 de junho de 2009

Pensamentos e Pensadores

"Nossa geração é a primeira a compreender inteiramente as ameaças que sofrem a biodiversidade e a última com oportunidade de explorar e documentar a diversidade de espécies do nosso planeta."

Wheeler et al, 2004

segunda-feira, 25 de maio de 2009

VII Simpósio Brasileiro de Paleontologia de Vertebrados


Por Gustavo Miranda. Na semana passada (dia 20/05) ocorreu na UNIRIO um evento que simbolizou o início da contagem regressiva para o VII Simpósio Brasileiro de Paleontologia de Vertebrados que ocorrerá no Rio de Janeiro em 2010. Convidado pelo presidente do Simpósio, Professor Leonardo Avilla, o Dr. Jeffrey Wilson, professor da Universidade de Michigan, ministrou uma palestra sobre a evolução e paleobiologia dos dinossauros saurópodes (Evolution and Paleobiology of sauropods dinossaurs).
De uma forma ao mesmo tempo simples e aprofundada, o professor forneceu uma viagem ao tempo dos saurópodes dando informações sobre tamanho, comportamento, modos de locomoção e alimentação, sendo tudo, é claro, dentro das possibilidades de dados fornecidas pelos fósseis, ainda existindo muitas lacunas no conhecimento desses animais. Falou ainda como anda o desenvolvimento do estudo dos saurópodes no mundo dando ênfase a ativa participação de paleontólogos brasileiros. Em seu site é possível acessar seus artigos:
http://www-personal.umich.edu/~wilsonja/JAW/Home.html. Para maiores informações e acompanhamento do Simpósio, visite o blog do evento: http://www.viisbpv.blogspot.com/.

Pensamentos e Pensadores

"(...) Nosso planeta é admirávelmente intrincado, pululante de enigmas a serem resolvidos e de charadas a serem decifradas. Como naturalista, você nunca padecerá dessa horrível doença do nosso tempo, o tédio. Saia, então, vá ao encontro da natureza com curiosidade e prazer, e deleite-se com ela."
Gerald Durrell & Lee Durrell. O Naturalista Amador, 1989

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