Por Gustavo Miranda
Poucas cidades brasileiras
possuem lugares que fornecem à população contato direto com a natureza. O Rio de Janeiro é uma cidade privilegiada nesse sentido. Ela abriga uma das maiores
áreas verde urbanas do mundo, a Floresta da Tijuca, assim como diversos outros
lugares, como o Jardim Botânico, o Bosque da Barra, o Parque do Flamengo, o
Parque Henrique Lage, o Parque Municipal do Mendanha, a Quinta da Boa Vista,
além das praias do litoral carioca (são mais de 40, nem todas próprias para
banho). Esses lugares são refúgios do dia-a-dia, momentos de fuga do estresse e
da correria da vida cotidiana.
Museu Nacional do Rio de Janeiro, Quinta da Boa Vista. |
É muito bom estar no Rio de
Janeiro e poder desfrutar de todas essas belezas naturais. Em particular, me
sinto privilegiado por frequentar um lugar tão bonito e com uma história tão
importante para o país como a Quinta da Boa Vista. Além do Zoológico e do Museu
Nacional, o parque possui campos abertos, lagos, árvores e aves (além de muitos
pivetes; se for passear por lá, cuidado!). Durante os finais de semana e
feriados, muitas famílias se reúnem nessa área em São Cristóvão para um momento
de descontração, para instantes de contato com a natureza em meio à selva de
pedras.
Devido a grande quantidade de
árvores e de alimentos disponíveis, as aves são encontradas em grande abundância
na Quinta da Boa Vista. Estima-se que essa área possua uma das maiores
quantidades de espécies de aves livres do Rio de Janeiro. Contudo, é uma pena
que nem todas as pessoas que lá frequentam se sintam à vontade.
Outro dia estava entrando na
Quinta e muitas aves estavam cantando e voando de uma árvore para outra; uma
cena bonita de ser ver e ouvir. Um grupo de pessoas sentadas num dos
gramados curtindo a manhã também reparou no grupo comentou: "Nossa, que
barulho mais chato. Manda esses passarinhos calarem o bico, gritam alto pra
caramba...".
Não sei se é por causa da minha
cabeça de biólogo, mas fiquei indignado com o comentário. Quem em um parque
cercado de aves se incomoda como o canto dos psitacídeos? Quer dizer que ouvir
funk, samba, pagode ou qualquer outro ritmo musical a toda altura dá pra
aturar, mas o cantarolar dos Psittaciformes incomoda o ouvidinho das
moçoilas?
COMO E POR QUE AS AVES
CANTAM?
Reconstrução em 3D de siringe. |
Os Psittaciformes (araras,
maritacas, papagaios entre outros) possuem um amplo repertório de cantos, muito
dos quais não se conhece a função. Estudos indicam que existem cantos de
voo, de contato, de alarme, de sentinela, de aviso sobre a disponibilidade de
alimentos, de demarcação de território, de atração de parceiras dentre outros.
As pessoas que reclamam do
cantarolar dos bichos não imaginam o quanto eles (esses sim) são afetados pelos
barulhos da cidade. Isso porque para combater o excesso de ruído, as aves tendem
a aumentar a intensidade do canto ou adotar frequências mais agudas, já que o
barulho urbano tem um espectro mais grave. Logo, com os ruídos elevados, as
aves podem ser severamente prejudicadas, e as modificações no canto não são
suficientes para manter a comunicação. Calcula-se que pode haver uma redução de
1500% na distância de comunicação de algumas espécies (veja aqui e aqui)!
Infelizmente não há leis no Brasil
que protejam as aves desse tipo de interferência, ao contrário do que ocorre na
Europa, por exemplo. Em alguns países europeus, barreiras acústicas são
colocadas em rodovias ou avenidas que cortam ou passam ao lado de áreas
habitadas ou onde há fauna representativa de aves. Com isso, o som dos veículos
é refletido e retorna ao ponto da emissão, sem afetar muito o ambiente.
POR QUE FAZEMOS TANTO BARULHO?
Não temos capacidade natural de
produzir diferentes tipos de sons como as aves. Nossas cordas vocais são
limitadas à capacidade de produzir um espectro pequeno de volume e de tipos de ruídos. Por outro lado,
inventamos MUITOS aparatos para fazer e/ou que fazem barulho. Carros, motos,
ônibus, britadeiras, furadeiras, música alta... Pra se ter uma ideia, atualmente
a poluição sonora é maior que a poluição da água; ela está em segundo lugar no
ranking de poluições causadoras de doenças (atrás apenas da poluição do ar; dados
da Organização Mundial de Saúde, OMS). Os otorrinolaringologistas recomendam
que não se ouça sons por tempo
prolongado acima de 80 decibéis (db) (que é em torno de metade da capacidade máxima de
mp3, mp4, ipods, celulares, etc) caso contrário as células responsáveis por
levar a informação sonora para o nervo auditivo (que vai transportar a
informação para o cérebro) começam a se degradar levando a surdez. Em áreas
residenciais o valor máximo recomendado pela OMS é de 50 db. Contudo, buzina
de moto, barulho de caminhão, avião, britadeira e até os sons da feira passam
dos 100 db (confira aqui).
Outro mal da humanidade são os
carros que se acham trios elétricos. Há tempos isso virou moda, e muitos “machões”
equipam seus carros com enormes alto falantes e deixam o volume no máximo para
todos ouvirem sua (nunca) agradável música. Pra vocês que fazem isso, rapazes,
aí vai um dado. Pesquisas recentes indicam
que o volume da música que se coloca no carro é equivalente ao volume
preenchido nas cuecas. Então fiquem atentos, pois as boates ambulantes que produzem podem estar
denunciando ao invés de promovendo vocês...
Muita gente não sabe, mas existem
leis que regulamentam a quantidade máxima de som permitida (aqui no Rio é esta).
Infelizmente quase ninguém respeita essa lei. Quando nos sentimos incomodados e
ligamos para a polícia para fazer uma denúncia, simplesmente nada é feito
(experiência própria). Além de nenhum interesse dos policiais (que muitas vezes
são comprados com algumas garrafas de cerveja [também experiência própria, já vi isso acontecer]), os
policiais não contam com um decibelímetro para verificar a altura do som emitido
(aí já é querer muito...).
Enfim, a tecnologia avançou e
pouca foi a preocupação em se evitar ruídos excessivos dos equipamentos que
utilizamos. Não há preocupação nem mesmo com nosso bem estar, quanto mais com os
outros animais que nos cercam. Há o total desprezo, e esse desprezo leva a
ignorância e a ignorância leva a completa falta de admiração com o bem mais
precioso que possuímos que é nossa biodiversidade e suas nuances.
ALGUMAS AVES DA QUINTA DA BOA VISTA
Fonte das fotos e mais informações sobre as aves nos links:
Jandaia-da-testa-vermelha: http://www.wikiaves.com.br/jandaia-de-testa-vermelha
Periquito-rico:http://www.wikiaves.com.br/periquito-rico
Periquito-de-encontro-amarelo: http://www.wikiaves.com.br/periquito-de-encontro-amarelo
Agradecimento
Gabriela Frickes - Setor Ornitologia, Museu Nacional do Rio de Janeiro/UFRJ
3 comentários:
Gostei muito do texto... particularmente, adorei o título!!!! No meu quintal aqui em Seropédica também tem muitos psittaciformes... Ao contrário do cidadão da Quinta, eu adoro ouvi-los "gritando"... me sinto mais próxima ao ambiente natural... as coisas ao meu redor, e não ao meu próprio mundinho.... Parabéns pelo texto! Bjos!
Adorei Gustavo! Eu adoro o barulho dos pássaros, odeio o barulho dos shows da Quinta da Boa Vista!
Adorei o texto. Amo psitacídeos e as pessoas que resumem suas expressões vocais a gritos não sabem apreciar o que é realmente belo. São aves incríveis, extremamente inteligentes e belas. Que continuem "gritando" por muitas gerações.
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