sexta-feira, 4 de maio de 2012

Descoberto o precursor da vida*


Por Gustavo Miranda e Bruno Tinoco

Uma pergunta que há muito tempo intriga biólogos, químicos, físicos, filósofos ou qualquer um que pense a respeito, é como a vida surgiu. Observamos atualmente uma diversidade de organismos  impressionante com cinco reinos (ou mais), dezenas de filos, centenas de classes, milhares de famílias e milhões de espécies, mas não sabemos o que iniciou nem como se originou toda essa diversidade. Pensar qual foi o ponto de partida para tudo isso e supor como isso ocorreu é algo realmente interessante e algumas propostas foram feitas ao longo da história.

A vida veio na cauda de um cometa?

As teorias em voga tratando a respeito da origem da vida na Terra são a da Panspermia e a da Evolução Orgânica da Matéria. A primeira assume que a vida se originou no espaço e veio para a Terra em um meteoro, ideia que ganhou suporte após a queda de um corpo celeste no México em 1969, o meteorito Allende, e que trouxe consigo aminoácidos (as estruturas básicas das proteínas). Contudo, esses aminoácidos são considerados exóticos, ou seja, não ocorrem no sistema químico das coisas vivas desse planeta, o que diminuiu um pouco a possibilidade de a vida ter vindo de fora de nossa atmosfera. Por conta disso, atualmente a teoria extraterrestre da origem da vida não é considerada pela maioria dos cientistas.
Stanley Miller e seu experimento em 1930.
A outra teoria, a da Evolução Orgânica da Matéria, é amplamente aceita sendo inclusive ensinada nos livros de ensino fundamental e médio. Ela é popularmente conhecida como a hipótese de Oparin-Haldane. Essa teoria diz que a atmosfera Pré-Cambriana (a mais antiga das eras) era composta por hidrogênio, metano, água, dióxido de carbono, nitrogênio e amônia. Esses gases expostos a altas temperaturas e sendo constantemente atingidos por descargas elétricas (raios) originaram, depois de milhões de anos sob estas condições, moléculas orgânicas. Na tentativa de reproduzir essa atmosfera primitiva em laboratório, Stanley Miller criou um sistema (que ficou conhecido como experimento de Miller) no qual ele obteve como produto final de sua experimentação aminoácidos, reproduzindo o que poderia ser o mar antigo: um grande caldo de aminoácidos, a sopa primordial. Apesar desse ensaio deixar a impressão de ser a prova de como a vida surgiu na Terra, o experimento de Miller apenas afirmou que as condições atmosféricas pensadas existirem há época permitiriam a formação de matéria orgânica a partir de matéria inorgânica. Segundo Marcelo Gleiser, a vida se define como sendo um “conjunto de reações químicas autossustentáveis capaz de absorver energia do meio ambiente e de se reproduzir”. Dessa forma, as primeiras células além de possuírem compostos orgânicos em sua composição, deveriam ter um aparato que as permitissem produzir proteínas e enzimas aptas para captar e metabolizar nutrientes do meio ambiente e para realizar reprodução, ou seja, ter um aparato genético capaz de realizar processos um tanto quanto complexos.

A molécula da complexidade

A Terra Pré-Cambriana.
As interações das primeiras moléculas orgânicas no “caldo primordial” teriam crescido conforme suas concentrações aumentavam e as reações originadas por elas levariam a construção de moléculas maiores e mais complexas. Imagina-se que a vida pré-celular teria começado com a formação de ácidos nucléicos [o ácido desoxiribonucleico (DNA) e o ácido ribonucleico (RNA)], que desempenhariam as funções metabólicas vitais para a sobrevivência e reprodução do aglomerado celular. Eventualmente as pré-células teriam se fechado numa membrana lipidica-protéica, as quais resultariam nas primeiras células.

Durante alguns milhões de anos a molécula candidata a precursora da informação genética no início da vida era o RNA, apesar de na maioria das vezes o DNA receber tal crédito. O RNA em princípio poderia desempenhar um papel de armazenador de informação hereditária (como faz o DNA hoje em dia) e ao mesmo tempo de catalisador de reações químicas, tal qual uma enzima. De fato, são conhecidas moléculas de RNA que desempenham papel semelhante a enzimas, as chamadas ribozimas. Esse cenário do RNA desempenhando múltiplas funções no surgimento da vida recebeu o nome de Mundo de RNA.

O X da questão

As moléculas de XNA.
Recentemente, pesquisadores do Medical Reserach Council Laboratory of Molecular Biology de Cambridge, na Inglaterra, desenvolveram em laboratório moléculas semelhantes aos ácidos nucleicos (DNA e RNA), os chamados XNA. Essas moléculas diferem dos ácidos nucleicos tradicionais pela substituição do açúcar da molécula (ribose ou desoxirribose), por outros compostos. Por isso o “X” na sigla, que significa xeno para indicar algo diferente ao que se é conhecido. As novidades na pesquisa liderada por um brasileiro, o Dr. Vitor Pinheiro, não são os diferentes tipos de ácidos nucléicos em si, mas sim a capacidade que essas moléculas possuem de serem acessadas e replicadas por enzimas polimerases específicas com suas informações muito pouco modificadas, ou seja, capazes de evoluir! Além de conseguir realizar replicação, isto é, construir cópias praticamente idênticas a original, essas proteínas conseguem converter o XNA em DNA e vice versa. Mas o que isso tem a ver com a origem da vida?
Essa nova descoberta nos leva a pensar se tanto o RNA quanto o DNA foram as primeiras moléculas responsáveis por transmitir a informação genética às células descendentes no início do surgimento da vida. Possivelmente não. Talvez o DNA e o RNA sejam somente duas das diversas moléculas que existiam no caldo primordial e que se saíram melhor na briga pela vida, literalmente. É provável que essas novas informações a respeito do XNA venham elucidar uma das maiores questões que sempre intrigaram os pensadores. Estaríamos perto, afinal, de explicar de onde viemos? 


REFERÊNCIAS
Gleiser, M, 2010. Criação imperfeita. Cosmo, vida e o código oculto da natureza. Ed. Record, 4ª edição.
Gonzalez, R.T., 2012. XNA is synthetic DNA that's stronger than the real thing. Disponível em <http://io9.com/5903221/meet-xna-the-first-synthetic-dna-that-evolves-like-the-real-thing> 
Pinheiro V. B. et al., 2012. Synthetic Genetic Polymers Capable of Heredity and Evolution. Science, 336: 341-344.


*O texto não expõe sobre uma solução definitiva à questão do precursor da vida, o título é só para despertar a curiosidade do leitor.


3 comentários:

Anônimo disse...

Bacaninha

Unknown disse...

Maneiro!

Anônimo disse...

Sugiro a leitura do livro "A árvore da vida" de Maturana e Varela

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