Por Gustavo Miranda e Bruno Tinoco
Uma pergunta
que há muito tempo intriga biólogos, químicos, físicos, filósofos ou qualquer
um que pense a respeito, é como a vida surgiu. Observamos
atualmente uma diversidade de organismos impressionante com cinco reinos
(ou mais), dezenas de filos, centenas de classes, milhares de famílias e milhões
de espécies, mas não sabemos o que iniciou nem como se originou toda essa
diversidade. Pensar qual foi o ponto de partida para tudo isso e supor como isso
ocorreu é algo realmente interessante e algumas propostas foram feitas ao longo
da história.
A vida veio na cauda de um cometa?
As teorias em
voga tratando a respeito da origem da vida na Terra são a da Panspermia e a da Evolução
Orgânica da Matéria. A primeira assume que a vida se originou no espaço e veio
para a Terra em um meteoro, ideia que ganhou suporte após a queda de um corpo
celeste no México em 1969, o meteorito Allende, e que trouxe consigo
aminoácidos (as estruturas básicas das proteínas). Contudo, esses aminoácidos
são considerados exóticos, ou seja, não ocorrem no sistema químico das coisas
vivas desse planeta, o que diminuiu um pouco a possibilidade de a vida ter
vindo de fora de nossa atmosfera. Por conta disso, atualmente a teoria extraterrestre
da origem da vida não é considerada pela maioria dos cientistas.
Stanley Miller e seu experimento em 1930. |
A outra teoria,
a da Evolução Orgânica da Matéria, é amplamente aceita sendo inclusive ensinada
nos livros de ensino fundamental e médio. Ela é popularmente conhecida como a hipótese
de Oparin-Haldane. Essa teoria diz que a atmosfera Pré-Cambriana (a mais antiga
das eras) era composta por hidrogênio, metano, água, dióxido de carbono,
nitrogênio e amônia. Esses gases expostos a altas temperaturas e sendo
constantemente atingidos por descargas elétricas (raios) originaram, depois de
milhões de anos sob estas condições, moléculas orgânicas. Na tentativa de
reproduzir essa atmosfera primitiva em laboratório, Stanley Miller criou um
sistema (que ficou conhecido como experimento de Miller) no qual ele obteve como
produto final de sua experimentação aminoácidos, reproduzindo o que poderia ser
o mar antigo: um grande caldo de aminoácidos, a sopa primordial. Apesar desse ensaio deixar a impressão de ser a
prova de como a vida surgiu na Terra, o experimento de Miller apenas afirmou que
as condições atmosféricas pensadas existirem há época permitiriam a formação de matéria orgânica a partir de
matéria inorgânica. Segundo Marcelo Gleiser, a vida se define como sendo um
“conjunto de reações químicas autossustentáveis capaz de absorver energia do
meio ambiente e de se reproduzir”. Dessa forma, as primeiras células além de
possuírem compostos orgânicos em sua composição, deveriam ter um aparato que as
permitissem produzir proteínas e enzimas aptas para captar e metabolizar nutrientes
do meio ambiente e para realizar reprodução, ou seja, ter um aparato genético
capaz de realizar processos um tanto quanto complexos.
A molécula da complexidade
A Terra Pré-Cambriana. |
As
interações das primeiras moléculas orgânicas no “caldo primordial” teriam
crescido conforme suas concentrações aumentavam e as reações originadas por
elas levariam a construção de moléculas maiores e mais complexas. Imagina-se
que a vida pré-celular teria começado com a formação de ácidos nucléicos [o
ácido desoxiribonucleico (DNA) e o ácido ribonucleico (RNA)], que
desempenhariam as funções metabólicas vitais para a sobrevivência e reprodução
do aglomerado celular. Eventualmente as pré-células teriam se fechado numa
membrana lipidica-protéica, as quais resultariam nas primeiras células.
Durante
alguns milhões de anos a molécula candidata a precursora da informação genética
no início da vida era o RNA, apesar de na maioria das vezes o DNA receber tal
crédito. O RNA em princípio poderia desempenhar um papel de armazenador de
informação hereditária (como faz o DNA hoje em dia) e ao mesmo tempo de
catalisador de reações químicas, tal qual uma enzima. De fato, são conhecidas
moléculas de RNA que desempenham papel semelhante a enzimas, as chamadas
ribozimas. Esse cenário do RNA desempenhando múltiplas funções no surgimento da
vida recebeu o nome de Mundo de RNA.
O X da questão
As moléculas de XNA. |
Recentemente,
pesquisadores do Medical Reserach Council Laboratory of Molecular Biology de Cambridge, na Inglaterra, desenvolveram
em laboratório moléculas semelhantes aos ácidos nucleicos (DNA e RNA), os
chamados XNA. Essas moléculas
diferem dos ácidos nucleicos tradicionais pela substituição do açúcar da
molécula (ribose ou desoxirribose), por outros compostos. Por isso o “X” na
sigla, que significa xeno para
indicar algo diferente ao que se é conhecido. As novidades na pesquisa liderada por um brasileiro, o Dr. Vitor Pinheiro, não são os diferentes tipos de
ácidos nucléicos em si, mas sim a capacidade que essas moléculas possuem de serem
acessadas e replicadas por enzimas polimerases específicas com suas informações
muito pouco modificadas, ou seja, capazes de evoluir! Além de
conseguir realizar replicação, isto é, construir cópias praticamente idênticas
a original, essas proteínas conseguem converter o XNA em DNA e vice versa. Mas
o que isso tem a ver com a origem da vida?
Essa
nova descoberta nos leva a pensar se tanto o RNA quanto o DNA foram as
primeiras moléculas responsáveis por transmitir a informação genética às
células descendentes no início do surgimento da vida. Possivelmente não. Talvez o DNA e o RNA sejam somente duas das diversas moléculas que existiam no caldo primordial e que se saíram melhor na briga pela vida, literalmente. É
provável que essas novas informações a respeito do XNA venham elucidar uma das
maiores questões que sempre intrigaram os pensadores. Estaríamos perto,
afinal, de explicar de onde viemos?
REFERÊNCIAS
Gleiser, M, 2010. Criação
imperfeita. Cosmo, vida e o
código oculto da natureza. Ed. Record, 4ª
edição.
Gonzalez, R.T., 2012. XNA is synthetic DNA that's stronger than the real
thing. Disponível em <http://io9.com/5903221/meet-xna-the-first-synthetic-dna-that-evolves-like-the-real-thing>
Pinheiro V.
B. et al., 2012. Synthetic
Genetic Polymers Capable of Heredity and Evolution. Science, 336: 341-344.
*O texto não expõe sobre uma solução definitiva à questão do precursor da vida, o título é só para despertar a curiosidade do leitor.
3 comentários:
Bacaninha
Maneiro!
Sugiro a leitura do livro "A árvore da vida" de Maturana e Varela
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