Por Gustavo Miranda
A Zoologia é uma das áreas mais fascinantes da Biologia. O estudo da diversidade animal deslumbra o homem desde Adão (o primeiro possível taxonomista) até os zoólogos que se formam hoje em dia, passando, é claro, por Aristóteles, Darwin, Wallace e tantos outros grandes biólogos. Infelizmente, o modo como toda a informação gerada por esses pesquisadores (menos Adão e Darwin) é passada ao público é praticamente inacessível. Os artigos e monografias são publicados em uma linguagem seca, direta, sem muitos rodeios e recheada de termos técnicos muitas vezes ininterpretáveis. Além disso, o acesso aos periódicos onde esses trabalhos são publicados só é possível nas universidades e mesmo assim, nem todos os conteúdos são liberados. O que salva o público leigo desse vácuo de informação científica são os livros, vídeos e os raros blogs de divulgação científica. Porém, nem sempre foi assim.
Existiu no século XIX–XX um brilhante Biólogo Marinho chamado Walter Garsteng (1868-1949) cuja especialidade era larvas de invertebrados marinhos e as informações que esses imaturos fornecem sobre a evolução dos invertebrados. Garsteng, além de ser um proficiente cientista, tinha um dom especial em transmitir suas ideias; ele a fazia na forma de versos. Dentre os diversos poemas que escreveu se destacam (título em inglês e tradução livre): The ballad of Veliger, or how the gastropod got its twist (A balada da Véliger ou Como o Gastrópode Tornou-se Torcido), The amphiblastula and the origin of sponges (A Anfiblástula e a Origem das Esponjas), Mülleria and the ctenophore (Mülleria e o Ctenoforo) e Tornaria’s water-works (O “Trabalho Aquático” da Tornaria).
Dentre esses poemas, o mais famoso é “A balada da Véliger ou Como o Gastrópode Tornou-se Torcido”, o qual é transcrito a baixo (retirado do livro “Invertebrados” Brusca & Brusca, 2007). Nesse poema Garsteng relata o processo pelo qual poderia ter surgido a torção nos gastrópodes (caracóis e lesmas), sugerindo que a larva véliger utilizava tal mecanismo para se proteger de predadores. Atualmente, sabe-se que a torção do corpo desses moluscos não surgiu dessa maneira, mas para uma proposta inovadora na época, um poema é um ótimo jeito de se difundir a ideia. É extremamente raro ver um cientista escrever em versos e rimas o resulta de seu trabalho, mas essa poderia ser uma fonte de inspiração para que os pesquisadores atuais divulguem de forma mais descontraída e acessível o produto de seus tão árduos labores.
A balada da Véliger ou Como o Gastrópode Tornou-se Torcido
A véliger é um lépido marujo, o mais lépido do mar
A impelir seu pequeno bote, traz de cada lado, uma roda a girar;
Porém, quando o perigo ameaça seu apressado submersível,
Ela pára o motor, fecha a portinhola e submerge furtivamente.
A véliger testemunhou várias transformações nas pelágicas embarcações a motor;
A primeira que pilotou era nada mais do que uma antiga e lenta embarcação, com diminuta cabine à popa.
Um Arqueomolusco a modelou, à sua imagem e semelhança,
E, numa bolsa de manto, à sua retaguarda, ela trazia sempre guardadas suas brânquias e demais pertences.
Jovens Arqueomoluscos eram lançados ao mar despojados de tudo, a não ser um véu...
Algo como um aro, com movimento giratório próprio, a impulsioná-los, ao invés de serem transportados passivamente;
E, rodopiando cá e lá, iam um a um adquirindo feições parentais:
Concha no dorso, pé no ventre — as mais singulares das diminutas criaturas.
Porém, quando fortuitamente esbarravam em seus vizinhos no mar,
Celenterados com fios urticantes e artrópodes todo espinhosos,
Acreditem vocês, traídos por um de seus pontos fracos, tornavam-se presas fáceis...
Expostos na dianteira, seus frágeis lobos pré-orais não podiam ser recolhidos em salvo!
O pé, vejam só, a meia-nau, próximo ao aconchegante abrigo na popa,
Recolhia-se prontamente, deixando a cabeça exposta, à mercê de todo perigo.
Então, os Arqueomoluscos foram escasseando, sua linhagem definhando celeramente,
Quando, pasmem, chegou a salvação por um mero acidente.
Uma legião de filhotes um dia surgiu, alvoroçado, cheia de novidades,
Anunciando que seus retratores, direito e esquerdo, eram diferentes:
Suas adriças de estibordo, fixas à popa, sozinhas, serviam à cabeça,
Enquanto aquelas fixas a bombordo espraiavam-se de través e serviam à parte posterior do corpo.
Inimigos predadores, ainda perambulando à deriva em números imbatíveis,
Foram agora surpreendidos por táticas que frustaram seus planos para o jantar.
Ante a ameaça, suas presas sucumbiram, mas prontamente reagiram,
Recolhendo ao abrigo da concha suas partes mais brandas, vulneráveis, deixando exposto o pé com seu rígido escudo córneo.
Essa manobra tática (vide Lamarck) aperfeiçoou-se com a repetição,
Até que as partes envolvidas nessa artimanha adquiriram periodicidade,
E a torção, independente afora de qualquer estímulo externo,
Seguirá seu curso predeterminado, mesmo em um vidro de relógio no laboratório.
E assim foi, então, que a Véliger, triunfalmente torcida,
Adquiriu sua cabine à frente, nela abrigando seus apetrechos de navegação...
Uma Trocosfera, em armadura blindada, com um pé para operar a escotilha de proa,
E dupla-hélice para impulsioná-la para frente, com rapidez e prontidão.
Porém, quando esses novos velígeros retornaram ao lar de origem para ali aportar
E se estabelecerem como Gatrópodes com cavidade do mando à frente,
O Arqueomolusco buscou por uma fenda esconder sua vergonha e fracasso,
E, rangendo ameaçadoramente seus dentes córneos, sentiu chegada sua hora e, sucumbindo ao peso de seu revés, morreu.
Livro de Walter Garsteng - http://www.amazon.com/Larval-Forms-Other-Zoological-Verses/dp/0226284239
Walter Garsteng na rede social http://www.facebook.com/pages/Walter-Garstang/120373594675377
Para livros recentes de divulgação cientifica, acesse a seção Livros desse blog.
Um comentário:
Kramba!!! Que legal!!! Seria realmente um ótimo método p divulgação dos trabalhos!
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