Por Gustavo Miranda
“Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos.”
José Saramago
O título desse texto é referente a uma das grandes obras do escritor português José Saramago, que usa a cegueira para demonstrar, entre outras coisas, “que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso”. Para quem não teve contato com a história, abaixo segue o trailer do filme para se ter uma idéia do que se passa.
Minha intenção não é escrever uma resenha do livro ou tecer comentários a respeito do filme de Fernando Meirelles. Venho aqui apenas colocar um fio de cabelo para fora do mar de injustiças que inunda nossa sociedade, na tentativa de denunciar o que há tempos é conhecido: o descaso a que os cidadãos da cidade do Rio de Janeiro são submetidos devido à infindável falta de vergonha na cara de nossos governantes.
Na história de Saramago, as pessoas ficam cegas por uma doença misteriosa e contagiosa. Os personagens não possuem nome, e gradativamente todos vão perdendo a visão após contato uns com os outros. Incrivelmente, essa realidade é muito parecida com a que vivemos hoje, porém, no nosso mundo os cegos possuem nome e são chamados conjuntamente de eleitores. Somos nós quem colocamos essa forja de corruptos no poder e fingimos não ver o dinheiro dos impostos passar por debaixo dos panos e cair na conta deles; fortunas viajando em meias, cuecas e malas de sem-vergonhice; verbas de escolas e hospitais sendo usadas para construir mansões e castelos; e benefícios, quando acontecem, sempre ocorrendo em bairros privilegiados e de grande visibilidade pela mídia. Enquanto isso o resto da cidade se torna o exemplo de caos sempre que cai uma chuva mais forte .
De forma semelhante à obra, essa cegueira é contagiosa, porém no nosso caso ela é ainda mais grave por ser crônica. Várias são as gerações que vêem a Praça da Bandeira virar mar, Marechal Hermes ficar debaixo d’água, encostas por toda a cidade desabarem matando dezenas e por vezes centenas de pessoas, e nunca nada muda. Em época de eleição promessas invadem nossas casas, porém passada a votação, é a velha e conhecida água que volta a inundar os lares.
No conto de Saramago, a falta de visão faz com que a população viva na desordem e na sujeira, algo não muito diferente do que vemos em nosso dia a dia. Os cidadãos dessa cidade acometidos por cegueira e por total falta de educação, jogam todo o seu lixo na rua e nos rios que os circundam. Tudo o que não lhes serve vai parar nas calçadas e no fundo dos rios, desde papeis, sacos plásticos e caixas, até geladeiras, sofás, carros e armários. Com a chuva acontece o óbvio: os rios transbordam e o caos se estabelece. Nosso governo é como a única pessoa não acometida pela cegueira na história, porém, de forma diametralmente oposta, esse único olho que enxerga, vê somente seu próprio benefício e se esquece de toda a população que vive debaixo d’água.
Há algumas décadas se espera que a nossa história tenha um desfecho tão feliz quanto o do filme (ou do livro), e que todos possam, a partir de um pequeno esforço, enxergar a realidade que nos assola. Que soluções efetivas sejam tomadas, como melhorias na rede de esgotos, retirada de lixo com maior freqüência dos rios, ou, melhor ainda, a educação da população para não encher nossa cidade de lixo; contenção das encostas antes que elas desabem (pois só se dá devida atenção depois que os desastres acontecem), entre muitas outras medidas que podem e devem ser tomadas o mais rápido possível. Esperamos sinceramente que soluções paliativas e infundadas deixem de ser tomadas pelo Governo, que aplica nosso dinheiro numa espécie de fé, ou mandinga, ou macumba, ou qualquer outra coisa que isso possa ser, como a contratação da Fundação Cacique Cobra Coral que, semelhante às atitudes deles, não consegue resolver problema algum.
2 comentários:
Sinceramente acho muito fácil colocar a culpa no govero. É claro que eles estão longe de ser o que a gente espera e precisa, mas a população também tem que se tocar que parte a culpa é dela sim. Sempre que vejo alguém jogando uma latinha de refrigerante pela janela do ônibus penso na mesma pessoa dando entrevista pro RJTV dizendo que perdeu tudo na enchente. É facil colocar a culpa no governo e não fazer nada pra ajudar.
Realmente,a comparação foi válida.Acho que a cegueira do povo é algo que se espalha,a pessoas só percebem o tamanho dos problemas quando estão num limite insuportável.Elas se acostumam ao que deveria ser algo por qual se deve lutar,para que as coisas melhorem.O governo não fará nada que seja muito eficiente enquanto o povo também não tiver a conciência de fazer a sua parte.
Ainda não vi o filme,parece muito bom,e a crítica que li foi boa..vou assistir.
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