Aproveitando a ilustre presença de Fernando Fernandez na VII Semana de Biologia da UNIRIO, que ocorreu de 5 a 9 deste mês, convidamos o biólogo a dar uma exclusiva entrevista para nosso blog. Para quem não conhece, Fernandez é professor da UFRJ responsável pelo Laboratório de Ecologia e Conservação de Populações (LECP-UFRJ) que tem como linha de pesquisa a dinâmica populacional e reprodução de marsupiais e roedores da Mata Atlântica. Também é autor do livro O Poema imperfeito: crônicas de biologia, conservação da natureza e seus heróis que está em sua segunda edição pela editora UFPR. Nesta entrevista ele nos fala, entre outras coisas, sobre a extinção dos grandes mamíferos causada pelos homens e as interferências que nós causamos na manutenção dos ecossistemas.
Devaneios Biológicos: Uma questão muito bem tratada em seu livro é a extinção em massa do Pleistoceno que ocorreu devido a expansão humana pelo globo. Você poderia nos falar em linhas gerais como ocorreu esse processo e se existe alguma prova de que isso é realmente verdade?
Fernando Fernandez: Comprovado exatamente não é, mas eu diria que hoje em dia é a hipótese de longe que melhor explica os fatos. Especialmente por se ter extinções em épocas diferentes, em continentes diferentes, e tempos depois dos continentes nas ilhas. Isso corresponde muito bem a chegada do homem em cada lugar. Existe uma correlação, inclusive uma correlação no sentido estrito, estatístico, que se você cruzar em um gráfico a data da chegada do homem em cada lugar e a época da extinção, você obtém uma linha reta. A correspondência de datas é perfeita, os pontos são praticamente em cima da linha. Inclusive nas ilhas naturalmente ocorreu depois justamente porque foi onde o homem precisou de barco para chegar. No passado defendia-se uma hipótese climática e atualmente ainda há pessoas que a defendem, mas por falta de conhecimento das outras hipóteses. Mas isso tudo é bem insustentável. Por exemplo, na Austrália a extinção ocorreu claramente no interglacial. Não tem nada a ver com glaciação. Nas ilhas, em alguns casos, ocorreu dez mil anos depois do fim da última glaciação. Na própria América do Norte ocorreu depois da última glaciação que foi há 18 mil anos. A extinção da América do Norte é datada de aproximadamente 13.000 anos. Então claramente o clima não bate. Existem mamutes extintos há 3.700 anos nos Estado Unidos e a extinção de moas na nova Zelândia ocorreu há seiscentos e poucos anos, então o padrão de como as extinções ocorreram em cada lugar claramente mostra que foi devido ao homem, como uma série de outros fatores como a concentração de bichos grandes (que vivem em grupos) e não de pequenos; bichos pastadores de área aberta que são mais acessíveis; bichos grandes são preferidos por caça porque são mais vulneráveis, e não se recuperam rapidamente devido ao menor potencial reprodutivo e menor densidade populacional. Mas quem é mais vulnerável ao frio são os pequenos que tem maior superfície relativa. Então pra mim está bastante claro que foi o homem.
D. B.: Em 2005 teve um cientista que propôs a idéia de trazer os animais extintos dessa época de volta, o que ele chamou de re-wilding, ou reasselvajamento. Você acha que é possível de se fazer isso, trazer de volta os animais e repovoar ecossistemas que já nem existem mais?
F. F.: Quem propôs a idéia foi o Josh Donlan e eu acho isso complicado. Escrevi sobre isso na minha última crônica do O Eco criticando e escrevi uma cartinha que vai sair na revista Conservation Biology no próximo mês “metendo o pau” no re-wilding. Mas confesso que eu fico meio dividido. Fico com certo medo porque no fundo são espécies exóticas, espécies que não são nativas e quem trabalha com biologia da conservação tem uma longa história de estragos e desastres ecológicos causados por espécies exóticas. Então isso é uma coisa que deixa qualquer biólogo da conservação com três pés atrás. Agora por outro lado eu tenho essa nostalgia de olhar para o sistema atual e pensar que tudo aquilo é completamente desequilibrado. Muitos dos bichos grandes que deviam estar ali não estão, muitas interações ecológicas que deviam estar ali não estão. Então eu entendo perfeitamente a atração que uma pessoa possa sentir pela ideia de trazer megamamíferos de volta, tentar repovoar e restaurar alguns processos ecológicos. Também outra objeção é que não se sabe muito bem se muitos dos processos ecológicos ainda poderiam ser restaurados porque as próprias plantas não são as mesmas. Então eu vejo um monte de dificuldades, mas também consigo entender porque um cara sinta tanta atração por uma ideia dessa. Um dos co-autores do Donlan é o Paul Martin, que foi o cara que lançou a hipótese de que os bichos do Pleistoceno foram extintos pelo homem e o outro é o Michael Soulè, o criador da biologia da conservação. Então ele está apoiado por gente de peso, muito peso. Eu fico muito preocupado que não vá dar certo, mas eu adoraria se pudesse. Fico meio divido (risos).
D. B.: E existe alguma alternativa ao re-wilding?
F. F.: Tem. O que eu proponho na crônica do O ECO e na carta da Conservation Biology é uma alternativa menor. Ao invés de se investir tanto recurso e atenção no re-wilding, se deveria investir em refaunação. Tem aquele negócio da floresta vazia, floresta sem bicho dentro, exterminados por caça comercial e de subsistência, e aqui nos trópicos somos cheios de florestas vazias. Mata Atlântica é quase toda floresta vazia. Na Amazônia grandes áreas são de floresta vazia, então minha proposta é bem mais modesta, ou seja, é reconstruir a distribuição geográfica de bichos que não estão extintos. Porque quando se fala de, por exemplo, onça, ela não está extinta da Mata Atlântica. Existem talvez seis ou sete localidades que tenham onça. Então se vê pouquíssimos lugares com o animal e estados inteiros, como Santa Catarina e Paraná sem onça. No Rio Grande do Sul só tem onça no Turvo (Parque Estadual do Turvo), no Rio de Janeiro, só tem na Bocaina (Serra da Bocaina), então existem estados inteiros que não se tem onça ou só tem onça num lugar. Acho que uma proposta mais realista seria: vamos restaurar o máximo possível da distribuição geográfica passada, dos bichos que não estão extintos, introduzindo-os de volta em todos os lugares, ou seja, ao invés de pensar em trazer elefante da Ásia ou da África e introduzir na América, como inclusive já foi proposto para o Pantanal, reintroduzir queixada, cateto, onça, introduzir esses bichos de volta na distribuição geográfica onde tem mata, onde inclusive eles podem reconstruir muitos dos processos ecológicos, como dispersão de sementes, que foram perdidos.
D. B.: Para trazer de volta os animais já extintos, Donlan propõe o uso de fragmentos de gens desses animais. Temos observado atualmente o avanço da genética e da biologia molecular sobre diversas áreas da biologia como na botânica e na zoologia. Gostaríamos de saber se o senhor acha que o futuro da zoologia, da botânica e da construção de árvores filogenéticas será o uso da biologia molecular e genética ao invés de apenas caracteres morfológicos?
F. F.: Eu sou um pouco desconfiado da importância da genética no uso de reconstrução de bichos extintos. O que é bastante claro é que essa coisa de reconstrução com fragmentos de gens não funciona. Por exemplo, há um tempo teve um experimento com o tilacino, aquele lobo marsupial extinto em 1966 na Tasmânia, e saiu um artigo numa revista importante dizendo que conseguiram fazer os genes do tilacino reconstruído. Tem um geneticista lá na UFRJ, o Antônio Solé-Cava, que escreveu um artigo criticando esse lance do tilacino, dizendo que na verdade o que eles fizeram foi pegar uma sequência de 200 nucleotídeos de tilacino e introduzir no genoma do camundongo. Para diminuir o risco de rejeição eles escolheram a parte das sequências que são menos mutáveis, e como o tilacino e o camondongo são mamíferos e tem ancestrais comuns, provavelmente na sequência menos mutável numa sequência de 200 nucleotídeos, tinha 3 ou 4 que deviam diferir de um camondongo para um tilacino. O que os caras obtiveram: um camundongo com três ou quatro genes de tilacino entre 20 milhões de genes de camundongo. Vai me dizer que isso tem alguma coisa a ver com reconstruir um tilacino? Me desculpe (risos). O Solé fala que o grupo australiano tinha recebido um dinheiro astronômico para tentar reconstruir o tilacino. Como não deu nada certo, tomaram essa medida desesperada, que é forçação. Com relação a sistemática, a genética ajuda muito. A genética está revolucionando a sistemática e conhecimento de sistemática é fundamental para se fazer conservação, mas acho que existem prioridades maiores para se fazer conservação. Claro, a sistemática é muito importante, mas a gente precisa mudar o mundo rápido, e pra mudar o mundo rápido você tem que fazer reflorestamento, tem que fazer refaunação, ou seja, voltar com a fauna, tem que lidar com o aquecimento global, tem que impedir caça, as pessoas deixarem de achar que caça não importa e, enfim, precisa dessas coisas todas.
7 comentários:
Muito maneira a entrevista!
Faltou citar minha importantíssima participação! Magoei agora, meninos! Não ajudo mais... :´(
Bricadeira, galera! Trabalho em grupo, muito bem feito!
Lembraram de procurar o e-mail dele para encaminhar o link da entrevista? Acho q seria legal!
Bjux, parabéns pelo blog mais uma vez!
Carol
Mandaram bem na entrevista, td bem q ficaram perturbando ele lá maior tempão. Chorou Bruno quando ele falou do Sole,huahau...
Parabéns!!! O blog esta cada dia melhor!
Otima entrevista. otimo entrevistador...mas refaunaçao assim, nao é tao simples, acredito...
A mata atlantica esta bastante fragmentada, e o fernandez sabe que para re-introduzir fauna de grande porte, principalmente aquelas que demandam de extensas areas florestais,como a onça, que ele citou, é preciso antes de tudo, reflorestar!
a onca é territorialista, é o maior mamífero carnívoro do Brasil, e necessita de pelo menos 2 kg de alimento por dia, o que determina a ocupação de um território de 25 a 80 km²(2.5 À 8 hectares) por indivíduo a fim de possibilitar capturar uma grande variedade de presas.....a grande maioria dos fragmentos da mata atlantica(98.7%) apresentam menos de 100 ha. ou seja, com bastante alimento disponivel para as onças, esses fragmentos(de 100 hectares, por exemplo, o que nao é muito grande nao, sao apenas 100 campos de futebol) comportariam, no maximo, levando em consideraçao que seriam onças bacanas nao brigonas, 40 individuos. o que nao é um numero grande para uma populaçao....é claro q é melhor que nada, mas nao garante a sobrevivencia e muito menos a perpetuaçao da spp. Com uma populaçao assim, tao pequena, ha pequeno fluxo genico e as chances de endogamia sao grandes, culminando em possivel extinçoes da mesma...sei la...é uma opiniao
reflorestar para refaunar!
"levando em consideraçao que seriam onças bacanas, nao brigonas"
hahahhahaha
Sobre o grande tema, eu sigo uma linha um pouco menos invasiva quando falo de conservação. Pra mim, conservar não é reflorestar nem refaunar. É parar de mexer.
Eu posso estar errado, mas é nisso que eu acredito atualmente.
Abraços.
Eu adorei a entrevista...e a semana de biologia já tem uns meses,mas na minha opnião a pelestra dele foi de longe a melhor..eu amei!
O blog está muito legal..que bom que eu o encontrei!Só não sei onde...bjusss
De que adianta trazer de volta algumas espécies?
Só se fosse para matá-los novamente.
Hoje qualquer animal que não tenha valor comercial(vaca, cabra, cavalos, cachorro...) esta fadado a extinção. Manter algumas espécies dentro de um laboratorio ou zoologico para introzir no meio ambiente é utópia. Pois sua extinção foi em virtude do seu habitat ter sido dizimado para outros fins. Lugar de "bicho"
e na natureza. O correto série preservar o temos. E parar a destruição.
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